Na língua da terra : cosmologias, titulação e o direito plantado e tecido a partir das roças do quilombo de Empata Viagem em Maraú/BA

Abstract

Este estudo investiga os processos de titulação e os direitos territoriais do Quilombo Empata Viagem, localizado em Maraú, Bahia, a partir da articulação entre cosmologias afro-diaspóricas e indígenas, práticas comunitárias, corporalituras e agenciamentos jurídicos, diante da ausência de regularização fundiária e do avanço do agronegócio sobre os territórios tradicionais. A pesquisa indaga de que forma as cosmologias, as memórias territoriais, as corporalituras e os agenciamentos de direitos sustentam a permanência do quilombo, em meio a entraves históricos, institucionais e às dinâmicas de racismo fundiário. Ancorada na perspectiva d’O Direito Achado na Rua, propõe-se a formulação de um Direito Plantado e Tecido nas Roças de Quilombo, que se expressa nas práticas cotidianas, nos saberes ancestrais, nas oralituras, nas corporalituras e, sobretudo, nas cosmologias que vinculam a comunidade à terra. Trata-se de uma perspectiva de direito que não se dissocia do território, da memória, da vida e dos corpos, e que tensiona os limites da colonialidade estatal, ao afirmar o território como sujeito coletivo de direito e produtor de vida. A cosmologia e as corporalituras, nesse sentido, são expressões concretas desse sujeito coletivo, materializando a relação entre direito, espiritualidade, existência e permanência. A abordagem metodológica é participativa, implicada e fundamentada na pesquisa-ação e nas corporalituras, compreendendo o território como coautor da pesquisa. Por se tratar de um território-parente, mobiliza-se a perspectiva da pesquisadora-parente e dos parentes-interlocutores, recusando qualquer separação entre sujeito pesquisador e território. Portanto, as dimensões cosmológicas e corporais que sustentam o território de Empata Viagem não atravessam apenas a análise, mas toda a feitura da pesquisa. A cosmologia e as corporalituras não são pano de fundo, mas forças epistêmicas, éticas, políticas e ontológicas, que estruturam os caminhos metodológicos, a escritura e a própria concepção de direito, de território e de memória. O estudo denuncia a morosidade institucional e as violências estruturais operadas pelos órgãos responsáveis pela regularização fundiária — como a Fundação Cultural Palmares e o INCRA —, moldadas por lógicas racistas e neocoloniais. Evidencia-se que a luta pela titulação não se encerra no campo jurídico, mas constitui um processo contínuo de reterritorialização, de fortalecimento das memórias, das cosmologias, das corporalituras e das práticas comunitárias, reafirmando o território como lugar de direito, de permanência e de produção de futuros possíveis.